RIO - “Uma chave que abre as portas da alegria” é como Carlos Malta define o pífano, instrumento
que inspirou o documentário “Xingu Cariri Caruaru carioca”, dirigido por Beth Formaggini, que será
exibido no Mimo Festival amanhã, no Cine Odeon. No filme, Malta viaja pelo Brasil encontrando
músicos importantes na tradição do instrumento, como João do Pife, e passa pelas paisagens de
um Brasil “à parte”, distante das metrópoles. Ele vai do Rio ao Xingu, atravessando Ceará,
Paraíba e Pernambuco, nas cenas de “Xingu Cariri Caruaru carioca”.
— O filme foi feito na busca desse som que sempre me encantou — conta Malta.
Muito além do trava-língua, “Xingu Cariri Caruaru carioca” é um registro de histórias de pessoas
ao redor do Brasil e suas relações com o pife. Para isso, os diálogos “conversados” são poucos.
Os de natureza musical são os que enchem a tela, junto com as paisagens por onde a equipe
passou, como a aldeia da tribo Kuikuro do Alto Xingu. Para Carlos Malta, a intenção é, justamente,
fazer o público se emocionar apenas com a música, e não com diálogos que ele chama de
“monótonos”.
Um dos músicos visitados por Malta é o pernambucano Raimundo, bastião de uma banda de
pífano com mais de 200 anos de história em Pernambuco. Após longos dias de gravação e
interação com culturas diferentes, mesmo que locais, Malta diz que aprendeu algo que, de certa
forma, já sabia:
— A identidade é crucial para um artista. Os músicos estão no filme porque têm sua autenticidade.
O ar bucólico que se vê no longa provocou um choque positivo em Malta. Ele, que nunca havia
estado no Alto Xingu, indica a experiência:
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— Aquilo é muito mais próximo da nossa natureza do que temos aqui na cidade. É um bálsamo
pra alma do ser humano. Passamos uma semana sem tocar em dinheiro.
As filmagens aconteceram entre maio e agosto de 2014, percorrendo, durante um mês, as regiões
Norte e Nordeste. O fim da produção foi no Rio, onde se passa a cena final: um cortejo musical da
Praça São Salvador até a Praia de Botafogo. O pife, visto pelos povos indígenas do Alto Xingu
como um peixe que saiu do rio, desaguou no mar carioca.
Pelas mãos de Gil
Malta descobriu o instrumento aos 12 anos, ouvindo “Pipoca moderna”, música do disco
“Expresso 222”, de Gilberto Gil. De lá para cá, ele se tornou músico profissional e tocou por
muitos anos com Hermeto Pascoal, além de ter feito parcerias com gente como Caetano Veloso e
Dave Matthews e projetos autorais como a banda Pife Muderno.
— Meu encantamento com o instrumento nunca passou — conclui ele.
Carlos Malta toca com bande de pife em Caruaru - Mariza Formaggini / Divulgação
*Estagiária sob orientação de Bernardo Araujo
“Xingu cariri caruaru carioca”
Direção: Beth Formaggini.
Onde: Cine Odeon — Praça Floriano 7, centro (2461-0201).
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Quando: Amanhã, às 18h.
Quanto: Grátis.
Classificação: Livre.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/filmes/xingu-cariri-caruaru-
carioca-mostra-viagem-de-carlos-malta-pelo-brasil-18043292#ixzz4YqpAdVst
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Cine Festivais > Críticas > 26º Festival de Curtas de São Paulo > Uma Família Ilustre, de Beth Formaggini
No momento em que se completam 30 anos da volta – embora por via indireta na ocasião – de um civil à Presidência da República, as evidentes lacunas de memória e os resquícios de práticas e mentalidades da Ditadura Militar em nosso cotidiano têm servido como impulso para filmes que discutem o período sem recorrer a simplificações ou meros discursos para “convertidos”.
Este é o caso dos ótimos longas-metragens Orestes, de Rodrigo Siqueira, e Retratos de Identificação, de Anita Leandro, e também, em menor escala, do curta-metragem Uma Família Ilustre, de Beth Formaggini, que faz a sua estreia mundial no 26º Festival Internacional de Curtas de São Paulo.
O trabalho de Formaggini tem como foco uma conversa entre Cláudio Guerra, agente responsável por mortes e desaparecimentos de cadáveres de militantes contra a Ditadura Militar, e Eduardo Passos, psicólogo defensor dos direitos humanos. A escolha de Passos, e não da diretora, para conduzir o diálogo, se revela um acerto devido ao caráter no mínimo contraditório da trajetória de Guerra.
De Bíblia na mão e pedindo para ser chamado de pastor – cargo que ocupa atualmente em uma igreja evangélica -, o entrevistado conta algumas das suas práticas como agente da Ditadura. Um tiro na cabeça de um militante detido é descrito por ele como uma atitude de “misericórdia”, em um exemplo de entrecruzamento peculiar de conceitos repressivos e religiosos; quando rostos surgem em uma projeção dentro da sala de entrevista, Guerra não demonstra emotividade ao apontar para fotos 3×4 e citar os nomes de pessoas assassinadas ou incineradas por ele mesmo.
A revelação dos modos de incineração dos corpos dos militantes de esquerda em um forno de uma usina de açúcar faz lembrar métodos utilizados pelos nazistas no Holocausto. Referência nesse tema, o monumental documentário Shoah, do francês Claude Lanzmann, surge como um paralelo possível com o filme de Formaggini não só pela brutalidade das violações cometidas, mas pelo teor da defesa de quem praticou crimes bárbaros. Assim como no caso de muitos alemães dos anos 40, Guerra se diz apenas um cumpridor de ordens, embora admita que sentia prazer em ter poder e ser temido pela posição que ocupava no regime militar.
Um ponto a ser destacado é o tratamento sóbrio dado pela direção ao entrevistado. Não é preciso o uso de uma trilha sonora emotiva ou de métodos para constranger Guerra; o ex-delegado revela os crimes que cometeu, a sua visão dos fatos e o caminho que a sua vida veio a tomar, deixando ao espectador a mesma indagação que ele sugere em certo momento do filme (“tem gente que não acredita na minha mudança”).
A frieza com que se refere a assassinatos é um dos fatores que colocam Guerra no centro do documentário e mantém a atenção (e a perplexidade) do espectador, mas a tentativa de inserir a história da mulher de um ex-militante morto pelo agente de repressão enfraquece o filme narrativamente.
A própria diretora admite, em voz off no início do documentário, que um dos objetivos iniciais (esclarecer a morte do militante Itair José Veloso) não foi alcançado, e o filme deixou mais dúvidas do que respostas. Ao optar por manter na montagem final a história da viúva de Itair, Beth Formaggini certamente deu visibilidade a um caso de sofrimento que merece ser conhecido, porém diluiu um pouco a força daquilo que seu filme tem de melhor: ser uma investigação dolorosa, mas honesta, sobre a crueldade humana.
Nota: 7,5/10 (Bom)
Sessões de Uma Família Ilustre no 26º Festival Internacional de Curtas de São Paulo:
25/8 – Terça – 17h – Centro Cultural São Paulo (Mostra Brasil 2)
28/8 – Sexta – 19h – Cinusp Paulo Emílio (Mostra Rastros de Ódio)
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