quinta-feira, 11 de junho de 2009

Apartamento 608 - Coutinho.doc


 
 
É Tudo Verdade: Beth Formaginni flagra o cineasta em ação no documentário  "Coutinho.doc", que revela os bastidores de um mágico em pleno ato de ilusão  e maravilhamento.Eduardo Coutinho  em contraplano
  
 Por Amir Labaki, de São Paulo
24/04/2009
                             
      
 O cotidiano de Coutinho está em  documentário que estreia neste sábado no Canal  Brasil
 

Documentaristas raramente se  deixam revelar por documentários alheios de peito tão aberto quanto se  permite Eduardo Coutinho em "Coutinho.doc - Apartamento 603", o  obrigatório retrato dele assinado por Beth Formaginni cuja estreia é  neste sábado, às 21h, no programa "É Tudo Verdade", no Canal  Brasil.
 

À primeira vista, trata-se  de um making of tardio de "Edifício Master", dirigido por ele em 2002  num prédio de classe média de Copacabana. Fosse apenas isso, já seria  um registro único dos bastidores das filmagens de um dos principais  documentários contemporâneos brasileiros. Experiente assistente e  produtora de Coutinho, Beth foi muito além. Seu filme flagra pela  primeira vez Eduardo Coutinho em ação.
 

"Edifício Master" é um dos  pontos altos da fase áurea do cinema de entrevista na obra dele. Sua  filmografia pode ser dividida em seis grandes períodos. O primeiro  ocorre em sua estreia dentro do cinema ficcional do Cinema Novo, com o  episódio "O Pacto" da trilogia "ABC do Amor" (1966) e os longas "O  Homem Que Comprou o Mundo" (1968) e "Faustão" (1970).
 

Nos anos 70, a segunda fase  destaca-se por sua brilhante conversão ao documentarismo dentro do  insuperado período inicial do "Globo Repórter", quando realizou  clássicos como "Seis Dias em Ouricuri" (1976) e "Teodomiro, o  Imperador do Sertão" (1978).
 

Já o começo dos anos 80  marca seu afastamento do programa para trabalhar naquela que se tornou  sua obra-prima absoluta, "Cabra Marcado para Morrer" (1984), no qual  retrabalha como documentário reflexivo um projeto ficcional  interrompido pela ditadura militar instaurada em 1964.
 

A consagração brasileira e  internacional com "Cabra Marcado para Morrer" paradoxalmente iniciou  um período de imensas dificuldades profissionais que se estendeu por  mais de uma década. Coutinho dirigiu então sete obras, em geral  realizadas em vídeo, sendo seis médias-metragens e apenas um longa  cinematográfico, "O Fio da Memória" (1991).
 

Ainda assim, ao menos dois  dos médias, "Santa Marta - Duas Semanas no Morro" (1987) e "Boca do  Lixo" (1993), representam momentos seminais, não apenas pelo que  retratam - o cotidiano de moradores de uma favela e o de desvalidos  que sobrevivem de um lixão -, mas também pela experiência como  documentarista do próprio Coutinho, ajudando a forjar o método que ele  aperfeiçoaria nos filmes da fase seguinte.
 

Entre 1997 e 2005, com  apenas uma exceção ("Peões", uma revisita aos companheiros  sindicalistas de Lula), Coutinho consolidou um particularíssimo  dispositivo de "cinema de entrevista" em quatro documentários: "Santo  Forte" (1997), "Babilônia 2000" (1999), "Edifício Master" (2002) e "O  Fim e o Princípio" (2005). Inicia-se então a sexta e atual fase de seu  cinema, na qual problematiza a questão do real e do ficcional no  cinema com filmes desbravadores como "Jogo de Cena" (2007) e o  novíssimo "Moscou", lançado na competição brasileira do recente É Tudo  Verdade.
 

"Coutinho.doc" nos traz,  assim, o cineasta no auge de um período e à beira de uma nova ruptura.  Vemos para além de seu particularíssimo método, com a definição de um  cenário, a escolha de seus depoentes e o preparo para o registro de  seu encontro em câmera com os entrevistados.
 

Coutinho permite-se aqui ser  flagrado em pleno exercício cotidiano de seu ofício. Eis o debate  franco com suas assistentes sobre as pré-entrevistas com potenciais  personagens. Eis as inúmeras dúvidas sobre as escolhas. Eis seu  desabafo sobre o medo de o projeto naufragar.
 

Beth conseguiu ainda mais.  Sua câmera registra, pela primeira vez, o contraplano das entrevistas  de Coutinho. Ei-lo perguntando, reagindo às respostas, sorrindo e  seduzindo seu entrevistado.
 

Uma cortina assim se  levanta. É como se espiássemos os bastidores da técnica de um mágico  em pleno ato de ilusão e maravilhamento. Trata-se simplesmente de um  dos mais valiosos documentos recentes da história do cinema  brasileiro.
 

Você não precisa ter visto  "Edifício Master" para se esbaldar com "Coutinho.doc". Conhecê-lo  torna tudo mais complexo e fascinante - o filme está disponível para  todos em DVD, mas não é essencial para o programa deste fim de semana.  O "Coutinho.doc" de Beth Formaginni é um belo documentário em si  mesmo.
 

Amir Labaki é  diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de  Documentários.

 

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