quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ALÔ VÍDEO LTDA /4 VENTOS
PORTIFÓLIO RESUMIDO DE REALIZAÇÕES


DOCUMENTÁRIOS

LONGA-METRAGEM

MEMÓRIA PARA USO DIÁRIO
94`/ 2007, de Beth Formaggini
Co-produção com o GTNM-RJ (Grupo Tortura Nunca Mais)/ Apoio: União Européia

Sinopse
Nosso fio condutor é Ivanilda, que durante 31 anos procurou nos arquivos sinais do seu marido desaparecido político. Suas idas e vindas se trançam com as ações de militantes e parentes das vitimas da ditadura e da violência policial dos dias de hoje que vão desvelando outros fios pelas ruas e cemitérios clandestinos do Rio. Eles pertencem ao Grupo Tortura Nunca Mais /RJ e interagem entre a lembrança traumática e o esquecimento no trabalho de trazer à tona a memória de fatos recentes, revelando a seletividade da história oficial, e de construir uma memória política. Pensam o passado para que se possam libertar o futuro dos fantasmas que ainda nos perseguem no presente.
Prêmios e festivais percorridos
Melhor Documentário Júri Popular Festival Internacional de Cinema do RJ 2007; Melhor Documentário Júri da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas /RJ no Festival Internacional de Cinema do RJ 2007 ; Seleção Oficial Mostra Internacional de Cinema de SP 2007; Seleção Oficial Mostra Internacional Do Filme Etnográfico 2007; Seleção Oficial Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá 2008; Festival de Cinema Comunicurtas de Campina Grande- Paraíba 2007; Vitória CineVideo na UFES, Cine Metropolis, Universidade Federal do Espírito Santo 2007 ; Seleção II Mostra de Cine y Direitos Humanos da América do Sul – 2007 exibido no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasilia, Belo Horizonte, Belém, Porto Alegre, Recife , Fortaleza. ; Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana, Cuba 2007, Festival de Cinema de Cuiabá 2008.
O filme teve diversas exibições acompanhadas de debates com a participacão de membros do GTNM/RJ e da diretora. No Brasil foi exibido: na Escola Técnica da FIOCRUZ, RJ; no Cineclube Aquiry do Núcleo de Produção Digital em Rio Branco, Acre; no Cineclube ABDEC na “Casa de Rui Barbosa”, RJ; “Circo Voador”; na II Jornada de Direito da PUC , no Caco da UFRJ; no Curso de Extensão Direitos Humanos em Tela, na UERJ; no Núcleo de Políticas Publicas para os Direitos Humanos, NPPDH, UFRJ e no Cine Teatro do Museu Imperial de Petrópolis.
Exibições no exterior: Dockanema – Festival de Documentários de Maputo, Moçambique; Latin American Center, UCLA, Los Angeles, EUA; Centro de Estudos latino-americanos da Universidade da California, Berkeley, EUA; VI Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos, organizado por Asociación Madres de Plaza de Mayo, Buenos Aires, Argentina e na Muestra de "Cine que Piensa", do Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana, Cuba.
Matérias/críticas
Memória Para Uso Diário, por Rodrigo de Oliveira
Memória Para Uso Diário, e o nome não podia ser melhor. Mais que um filme para forçar o acesso emotivo a um passado coletivo submerso e dar voz a vítimas que se tornaram heróis, este é um projeto lindamente pragmático em sua militância: entre as diversas calhordices cometidas contra os revolucionários antiditadura militar e suas famílias, a mais grave foi certamente o apagamento da dimensão visível de sua história, e se há reparação possível, ela só pode se dar pelo “uso diário” do que sobrou desta gente – sua imagem, seus nomes, os signos associados a eles.
Em algum momento do filme, vemos uma parente de um dos militantes assassinados pelo regime falar sobre a perversidade embutida na invenção da expressão “desaparecido político”. É contra esse apagamento que Beth Formaggini investe, e o faz pelo desmascaramento, antes de tudo. A ditadura, como o cidadão brasileiro médio a conheceu, era a das imagens icônicas e da propaganda nacionalista institucional, largamente apresentada no prólogo do filme: não apenas os diversos cartazes e slogans repetidos à exaustão pelo regime, mas também a ostentação da caça e prisão dos vários “terroristas”, alardeadas nos jornais e na tevê como se aquele fosse um ambiente de faroeste, um “procura-se vivo ou morto” onde o rosto de um perseguido só tinha serventia até que ele fosse capturado – depois disso, o limbo, a morte secreta e o desaparecimento.
Uso diário é a experiência cotidiana desta memória, a ação corriqueira que nem por isso deixa de carregar todos os sentidos emocionais e políticos de que está preenchida. Numa das seqüências mais impressionantes do filme (e impressionante justamente por mostrar o caráter habitual da lembrança, e não o grande alarde profundo e pomposo que projetos dessa natureza costumam ter) acompanhamos a visita de Romildo a um cemitério no subúrbio carioca onde se suspeita que seu irmão tenha sido enterrado. Com a ajuda de uma amiga e também ex-militante, o homem começa a listar, de cor e com nome completo, dezenas de pessoas que faziam parte do mesmo aparelho de guerrilha do morto, montando um quebra-cabeça de identidades perdidas que surgem com a naturalidade de quem fala de amigos de infância. Romildo e a amiga não conheceram a maior parte daquelas pessoas em vida, e a única ligação que mantém com elas é a coincidência de terem participado junto com o irmão da luta armada. A memória é superficial e posterior, como a nossa, espectatorial, mas diferente de nós (e do filme), um nome dito é mais que a estampa de uma época, ele é o próprio reaparecimento, a alcunha perversa se desfazendo em nome do presente destas pessoas, mesmo que apenas oral e corriqueiro.
É assim, no limite de sua própria inviabilidade, que Memória Para Uso Diário vai se equilibrando. Porque há algo na sobrevivência dessa lembrança que está marcado por um irremediável senso de história íntima que nem todo o caráter coletivo da luta revolucionária pôde superar. Quando Tânia Roque visita a escola que leva o nome de seu marido morto pela polícia da ditadura, vemos uma celebração da figura de Lincoln Bicalho Roque que é marcada pelo reconhecimento emocionado para a família, enquanto nunca perde a sensação de valorização de uma ausência e de um vazio para os pequenos alunos e suas professoras. As crianças carregam faixas com o nome do militante, cantam enfileiradas o hino da escola, que exalta sua luta, fazem perguntas no microfone sobre quem foi e o que fazia aquele homem, mas, no fundo, nunca assumem estes discursos e essa celebração como sua propriamente.
Ponto de não-retorno definitivo é quando o filme leva um grupo de familiares dos desaparecidos pelas ruas de um bairro carioca para buscar endereços e placas que homenageiem ex-guerrilheiros (encontram no caminho, por exemplo, uma Praça Lamarca, ironicamente abandonada ao capim pelo poder público). É quando a mãe de Marcos Nonato da Fonseca encontra a rua com o nome do filho, mas, com uma placa enferrujada que impede o reconhecimento do nome, recorre a alguns dos moradores curiosos do lugar para que lhe dêem uma conta de luz que comprove a homenagem. Com a conta na mão, a mulher se dirige à câmera e mostra orgulhosa o nome do filho, enquanto um abismo se cria com o fundo do quadro, onde os moradores ainda não sabem direito do que se trata aquele fuzuê todo, e talvez nunca venham a saber ou se interessar. Não há chamado à memória e ao exercício da reparação que Beth Formaggini e o Grupo Tortura Nunca Mais (financiadores institucionais do filme) possam fazer sem que se esbarre neste abismo. A clandestinidade é a única marca da luta antiditadura que resistiu ao tempo, porque essa memória também é clandestina e, independente dos esforços de ambas as partes, ainda inviável.
Em Memória Para Uso Diário utiliza-se a estratégia do nome completo e do retrato 3x4 das vítimas, reforçados pelos letreiros finais que listam todos os ditos “desaparecidos políticos” do país, e ainda assim esta é apenas uma personificação de segunda ordem. É uma fissura da própria sociedade brasileira e sua incapacidade de lidar efetivamente com o período militar que acaba se espalhando para o cinema, do qual o filme de Formaggini acaba não deixando de ser um louvável retorno à regra. Não houve julgamento dos torturadores, não se prenderam os responsáveis pelas mortes, e as vítimas vão sendo indenizadas na surdina, em processos lentos e financeiramente desproporcionais. Do mesmo modo, este cinema brasileiro que fala da ditadura nunca conseguiu nem sequer levar a cabo a máxima godardiana de que as vítimas são sempre filmadas de frente, enquanto os carrascos aparecem sempre de costas.
Este acordo tácito pelo esquecimento torna mesmo a filmagem das vítimas um problema – e não só porque, como neste caso, o que resta delas é um retrato ou uma placa de rua. Mais do que a forçosa relação entre os desaparecidos dos 60 e os desaparecidos dos 2000, que o filme faz ao propagandear as ações do Grupo Tortura Nunca Mais contra o abuso policial sobre jovens da periferia e das favelas cariocas, o que Memória Para Uso Diário faz de realmente novo e instigante sobre esta relação do país com seu passado é filmar não os personagens da tragédia, mas seu depositário. Em poucos planos dos arquivos públicos nacionais onde uma viúva tenta buscar provas de que seu marido foi morto pelo Estado e, portanto, merece uma pensão do governo, vemos finalmente materializado todo o horror da desimportância que tanto a ONG como o filme tentam combater. Confusos, sujos, improvisados, escuros, os arquivos são o retrato mais fiel da falta de retrato: pastas e mais pastas com nome completo e eventualmente fotos dos mortos e desaparecidos, sem que isso possa garantir que as histórias guardadas ali possam um dia ser verdadeiramente ouvidas e revisitadas.
Links: http://videolog.uol.com.br/video.php?id=390578 / http://www.youtube.com/watch?v=MSTsRamHOqA

ETNOGRAFIA DA AMIZADE - SARACENI.DOC
71’/ 2007, de Ricardo Miranda
Co-produção com o Canal Brasil

Sinopse
O seu cinema e as suas idéias merecem a reflexão e a aposta. Paulo César Saraceni investe nas imagens e na afetividade. Seus filmes apostam no que de mais importante podemos jogar – os significados da liberdade. Portanto, vamos rever sua obra e com a mente aberta para a arte, artistas e inventores. Introjetar a vida existente nestas matérias da memória. O filme quer “amorosamente desvelar sentidos e formas para buscar no homem a magia da obra”.
Prêmios e Festivais percorridos
Festival do Rio, 2007; Festival Cineport, 2007; Festival Arariboia Cine, 2009; Festival Cineop - Ouro Preto, 2008; É tudo Verdade, 2009.
Matérias/críticas
Etnografia da amizade, Luiz Rosemberg Filho
Aprisionado entre o dinheiro e a maquininha de calcular eis no que foi transformado o cinema brasileiro: numa infinidade de espetáculos idiotas só objetivando tranqüilizar o inquietante e esperto patrocinador de polpudas maracutaias entre governo, bancos, companhias estrangeiras e redes de televisão. O hipócrita senador Marcelo Crivella não está incluindo as igrejas na Lei Rouanet? Os farsantes defensores de uma indústria de entretenimento apostam o que for no modelito de Hollywood. E isso com o “nosso” mercado todo ocupado pelo l-i-x-o dos ocupantes. Ou já não são também mais ocupantes?
Apesar disso, sólidos focos de resistência vêm do documentário “Cartola” e de “Etnografia da Amizade”, que fala sobre o delicado cinema de Paulo César Saraceni. Duas exceções bem-sucedidas infringindo a lei dos defensores do mercado para o outro. Para o inimigo, claro. Mas é onde se vai gozar hoje: no oferecimento do nosso espaço as certezas do imperialismo. Tornou-se um fiasco defender o mercado para nós. Um mercado que é nosso, e que deveria ser nosso. Não de Hollywood ou de religiões duvidosas – que acabam sendo a mesma coisa pois um depende da esperteza do outro.
Ricardo Miranda filma o cinema de Paulo César dando propriedade à poesia, ao pensamento, à oralidade e à longa amizade dos dois. Mas não é um ótimo montador que filma um cineasta, mas um diálogo afetuoso esfacelado pelo país que odeia o ser feliz. País cuja ambição política nega o ser sensível. Para o atual Brasil o bom é ser medíocre, covarde, enganador, oportunista, político sujo e honroso como inimigo de toda e qualquer contradição mais profunda. Paulo filmou o país que resistia apesar dos anos de chumbo. Ricardo filma-o num outro tempo que parece o mesmo. O país se nega a mudar e g-o-z-a com o sofrimento de todos.
O não-conformismo dos dois gesta uma multiplicidade de variações sobre o saber e o cinema, indo de Otávio de Farias a Bertolucci, passando por Lúcio Cardoso, David Neves, Gianni Amico, Nelson Pereira dos Santos, Paulo Emílio Sales Gomes, Mario Carneiro, Glauber Rocha... Não fosse suficiente a linguagem desconstruída, dançam (e Paulo dança bem) a alegria que não deixam o país viver. Ousaria até dizer que é um filme de coração, de luz, de encontros amorosos e de revoluções sufocadas. E no cinema brasileiro é o que mais se vive: mortes, traições e derrotas. No passado foi um cinema de idéias iluminadas. Hoje é um cinema burocratizado. O cinema do avestruz que esconde a cabeça e oferece o rabo numa funesta fidelidade a um mercado que nunca foi seu. E que pelo visto nunca será.
Mas não se trata de um processo de identificação de Ricardo Miranda com Paulo César Saraceni, e sim de superação moral e política do entreguismo dominante. Mas não são ou não se vendem como politólogos bodados no culto rancoroso da eterna decadência do país. A raiz do cinema de ambos passa pelo homem, como no cinema de Rosselini. Passa pelas relações, como no cinema de Antonioni. E muito pelo afeto que gesta amizades profundas. A individualização de Paulo César, como tema, é a superação do próprio personagem pois o que dá grandeza ao trabalho é o cinema como necessidade terapêutica e política, como na abertura do trabalho com Paulo numa invasão do MST. Ambos não fizeram do olhar uma falsa prática hierarquizada de acontecimentos medíocres. Acontecimentos medíocres que servem ao empobrecimento do olhar.
De “Arraial do Cabo” ao “Viajante”, Paulo César Saraceni filmou o esfacelamento de muitos e muitos sonhos, indo sempre além dos limites permitidos. O cinema de Paulo é visto por Ricardo Miranda como sendo essencialmente crítico, político, analítico e até bem-humorado, como no filme sobre a “Banda de Ipanema”. No início da sua história, cercado pelos jovens amigos do Cinema Novo. Hoje, dos poucos ainda vivos e com algum talento, a solidão que habita cada um. E o impressionante é que Ricardo não fez um cinema de recordações, e sim dando um passo à frente na condução de Paulo por múltiplos fragmentos amorosos, maiores. “Etnografia da Amizade” investe na indisciplina como linguagem. É bem mais que um documentário, é uma longa carta de amor ao cinema brasileiro.
O conteúdo flutua entre o terno discurso amoroso e as múltiplas contradições políticas do nosso tempo. O cinema-pensado de Ricardo Miranda atua fundo sobre o lado humano, contrapondo-se ao estilo superficial e chato do cinemão de mercado feito hoje para a bajulação ou lambeção do Oscar. É a vitória do sonho conservador sobre o cinema não-ilusório como queriam Brecht, Glauber e Godard. E é justamente neste contexto de zona braba que “Etnografia da Amizade” torna-se cúmplice da criação amorosa para o outro, vislumbrando a liberdade como arte numa recusa radical à cumplicidade com o mercado onde tudo se vende. Onde tudo está à venda.
Ricardo Miranda viaja na doce pessoa de Sarra, suscitando questões que nos levam a construir pedaços descontínuos da vontade do outro. Foi assim. O outro torna-se um espaço de reordenação de um sonho analisado pelo olhar rico e protetor, excessivamente, demasiadamente humano. Vê-se, então, Paulo trabalhado (quando o deixavam trabalhar), falando, pensando, dançando e imprimindo vida onde hoje só existe cansaço, traições, burocratas e idiotas surtados com o poder. O poder de bajular e contaminar o humano com a impotêncialização do nosso eterno fascismo. Ora, o que entende o poder de expressões subjetivas? O que sabe um burocrata da “consistência energética” dos sonhos? E o burocrata sonha?
A tematização do cinema não será nunca afirmativa, pois múltiplas são as motivações dos poucos cineastas talentosos, ainda vivos. A fala de um poderá ser o silêncio do outro. A razão abstrata criativa de um filme de Fábio Carvalho poderá ser a unificação do sujeito numa versão politizada no cinema-documento de Ricardo Miranda ou Isabel Lacerda. Falo aí de dimensões criativas, apaixonadas. De um conceito fundamental de conhecimento profundo. Não estou defendendo o cinema pelo cinema, mas a paixão capaz de defender a intimidade de pessoas como José Carlos Asbeg, Nina Tedesco, Alexandre Dacosta, Antônio de Andrade, Marcelo Ikeda, André Scucato... Ou seja, os jovens que estão chegando.
Paulo Cesar teve a sorte de estar próximo de Joaquim Pedro, Mário Carneiro, Glauber... que, de certo modo, o ajudaram na sua formação. Talvez também seja justo dizer que a própria reflexão de Ricardo Miranda sobre o trabalho de Paulo Cesar os coloca muito além do esteticismo burocratizado do estado fascista e da TV. Ora, por que não deixam Paulo Cesar continuar filmando? O atual cinema brasileiro “vive” um fazer sem-paixão. Todos os “filmes” se parecem, e não se pagam. Raríssimos são os filmes que marcam fundo na ignorância absolutista do mercado. Que mercado? Ainda assim Ricardo faz da sua “Etnografia da Amizade” um ato de fé na interioridade do respeito e do afeto. Ambos precisam continuar filmando! Alô, alô burocratas do Ministério da Cultura, da Ancine, da Petrobras.... Cinema é coisa séria e não empreguinho público.

NOVELA NA SANTA CASA - A PROMESSA DA FELICIDADE
100’/ 2006, de Cathie Levy
Co-produção com Abacaris Films e Les films du Tambour du Soir

Sinopse
Stendhal escreveu: 'A beleza é a promessa da felicidade'. A frase resume bem o filme de Cathie Levy 'Novela na Santa Casa', um filme sobre sonhos, esperanças dessas mulheres que vão à Enfermeria 38, onde funciona o Serviço de Cirurgia Plástica do Professor Ivo Pitanguy na Santa Casa de Misericórdia: um lugar único no mundo. Lá, a cirurgia estética é acessível a todas as classes sociais e o trabalho é voluntário. A cineasta francesa filmou durante 5 meses, acompanhando o processo, a viagem rumo às cirurgias de 7 personagens. Tudo começa na fila, onde as mulheres esperam pela consulta inicial desde a madrugada. 'Cada uma vai realizar o seu sonho', diz Valéria. 'Se Deus e Pitanguy quiserem', responde sua filha Fernanda. Será? A promessa da felicidade será mantida?
Prêmios e Festivais percorrido
Exibido no Festival do Rio, 2008

EM TRÂNSITO
98’/2005, de Henri Gervaiseau

Sinopse
O documentário explora situações do dia-a-dia, no trânsito e no transporte coletivo, envolvendo personagens anônimos que diariamente saem das suas residências - situadas nas zonas Oeste, Leste ou Sul da Região Metropolitana de São Paulo - e se dirigem, para trabalhar no Centro expandido do município.
Prêmios e Festivais percorridos
Melhor filme - prêmio Glauber Rocha, melhor documentário e prêmio da OCIC na Jornada da Bahia 2005, seleção Festival De Gramado 2005, Festival É Tudo Verdade 2006, Fórum.Doc, BH, 2005 e Festival Internacional de SP 2005.

MÉDIA-METRAGEM

APARTAMENTO 608 – COUTINHO.DOC
51’/ 2009, de Beth Formaggini
Co-produção com o Canal Brasil

Sinopse
Um documentarista em crise diante da sua obra. Eduardo Coutinho, visto bem de perto durante a criação do seu filme Edifício Master.
Matérias/críticas
Apartamento 608 - Coutinho.doc, por Luiz Rosemberg Filho & Sindoval Aguiar (Revista virtual Via Brasil e no site do Congresso Brasileiro de Cinema)
Rio de Janeiro – Ver e saber olhar são coisas diferentes. Todos podem ver, mas poucos sabem olhar. E é essa a diferença que atravessa e amplia esta pequena jóia de Beth Formaggini que parte do movimento interno de uma filmagem complexa. Ainda assim tranquilamente formula e prolonga questões na construção do seu próprio filme sobre as filmagens do Edifício Master, belissimamente editado não como fachada de um discurso comum sobre o Outro, mas assumindo toda a complexidade da criação de um filme difícil, pois geograficamente limitado a um prédio de pessoas comuns.
Eduardo Coutinho é observado sem mistificação alguma. Vê-se sim a sua luta para romper com o processo da ilustração da mesmice, como em 97% dos nossos documentários onde o Outro é só uma mercadoria sem alma ou contradição. Daí a responsabilidade de Beth e Joana Collier, no uso da fragmentação. Filma-se o real, mas edita-se apenas momentos poéticos. Dá-se especificidade a cada expressão, esboçando não o filme feito por Coutinho, mas as escolhas de Formaggine, tenaz e destemida. E são bastante claras as diferenças entre o Edifício Master (por nós já defendido), e a construção e os pensamentos da delicada edificação deste seu filme. Beth ilumina com cuidado essa passagem da ideia para as suas imagens.
Talvez seja, entre os documentários brasileiros, o primeiro trabalho serio sobre a elaboração pensada de um outro filme, longe de ser um making-off. E mais próximo das dúvidas do que das certezas. É quase um Oito e Meio do nosso documentário, em que Coutinho enfrenta seus medos, fantasmas e dúvidas. Quase um filme que se descobre na solidão interna do realizador.
E é interessante pensar essa obscuridade das muitas dúvidas de um documentário. Desmistifica-se com veemência e poesia de que tudo é documentário, e que toda imagem ou depoimento serve como condução da narrativa. O próprio Coutinho conduz deixando-se levar por uma jovem equipe que se transcende no quietismo das muitas dúvidas de tudo e de todos, onde a essência é o filme sobre pequenas vidas de certo modo, opacas. Ora, como dar um significado poético ao lado comum de um espaço comum? Mas interessa ao filme e a todos expor contradições sem magoar quem quer que seja. Edificou-se um país assim: adoentado e pequeno por dentro e sem vida inteligente por fora.
Beth Formaggine filma o tempo real da criação. Todos num apartamento alugado, pensando o prédio todo como sendo um país desconhecido. Dá-se significação as muitas contradições de um filme sendo feito. Logo no início, Coutinho diz não tem nada muito importante a dizer. E diz muito o tempo todo. A cineasta o filma com carinho e admiração. Filma-o pensando, fumando e falando o tempo todo. Não para o filme de Beth, mas para a sua própria equipe. Eis a razão de um filme diferente sobre o processo de criação do Outro. Repetindo: não é um trabalho sobre alguém, mas sobre o pensamento e a construção de um filme, do vazio as suas múltiplas contradições.
Falar de dentro nos parece mais interessante que estar disciplinado de fora como muito dos nossos críticos. A finalidade de um bom filme (e aí falamos como realizadores) é se reinventar a cada instante. Beth deixa-nos absolutamente livres para sonhar, entender, gostar ou mesmo não gostar. A grandeza do seu trabalho repousa no seu doce olhar sobre cada momento na construção do filme de Eduardo Coutinho. E a relação entre a cineasta e o filme do Outro, deve ser compreendida como uma experimentação bem sucedida, que distingue o Apartamento 608 de todos os documentários feitos sobre cineastas, atores, literatos e personalidades, pois documenta-se a gestação de um processo original, numa espécie de encenação de intimidades muito além da imagem-mercadoria.
Uma vez mais o cinema brasileiro é surpreendente, como agora onde documenta com estilo o universo de Coutinho. O filme excelente de Beth acaba sendo um projeto de concepções individuais e coletivas, com a abordagem de uma estética sociológica, filosófica e histórica. Um choque de realidades e emoções. De necessidades, compromissos e responsabilidades e tudo o que podemos definir, ou pelo menos tentar como um princípio de alterdireção deste cineasta do filme Edifício Master.
E a abordagem de Formaggini não é válida somente para o cinema mas, para todo e qualquer movimento do ser humano em busca da sua humanidade ou dos porquês dessa perda, negando uma construção tantas vezes tentada, como no velho mundo grego e, terrivelmente violentada nos processos altamente científicos e tecnológicos e de expansão dos progressos. De invasões e de extermínios em nome de interesses e verdades tão estranhos aos invadidos!
O que somos nós? O que é a coletividade? E este Edifício Master? O Apartamento 608 não tem respostas, mas sabe falar, ouvir, interagir entre verdades e mentiras, realidade e imaginário. O que a arte dos dois filmes soube muito bem nos ajudar para alguma caminhada neste absurdo que é a vida, de cujo valor cada um de nós nos tornamos muito responsáveis. Antes que a coletividade como sociedade e ordem nos aniquile e nos massacrem como excluídos e dispensáveis. Indagações precisas as de Coutinho, para uma projeções precisas como as de Formaggine.
Apartamento 608, o de nossos vazios e o dos vazios da multidão solitária. E Coutinho e Formaggine tiveram nos dois filmes, que projetar estes vazios! A arte é fiel ao nosso imaginário e recusa a ideologia e só ela sabe dar forma à utopia e ao futuro como crença, no vir-a-ser! A essa coisa difícil de ser que somos todos nós! Como Coutinho mesmo se definiu: “Eu gosto de estar só, de estar e deixar de estar”; esta tentativa de ser! E os dois grandes movimentos do filme de Formaggini acabam sendo fiéis e explícitos a todas as ocorrências; as que antecedem e as que sucedem a realização do filme de Coutinho. Da angústia ao prazer. Se, momentâneos ou não, vale o registro.
Apartamento 608 se torna um filme que jamais poderá ser visto como um making-off porque, pela leveza, sutilezas, profundidade de perspectiva e universo que aborda entre contradições, a realidade e o imaginário acaba derrubando todas as paredes ou muralhas entre o atrás e o na frente das câmeras. Se fazendo “in”, uma invasão que somente o sonho pode realizar, provocando conscientes e inconscientes e definindo uma autoestima, para uma projeção do Outro que, nada pode ser, senão nós mesmos. O que nunca conseguimos definir como bastardos de nossa própria cultura e civilização!
Os dois filmes segredam e revelam sem sublimar. O que a psicanálise tenta mas... (dai a César o que é de Cesar!). Pelo menos Freud tentou! E que Coutinho e Formaggini tentam! E são tantas as graduações que, somente o imaginário, o mágico podem hipotecar e projetar como o possível e o impossível, os caminhos da arte. Esta bela saída para nossas vidas e para o filme de Coutinho e o de Formaggini. Cada um com seu olhar! Cada um com seu filme!
Coutinho parece dono de uma alterdireção bem definida, levando para o trabalho o conjunto de suas experiências; avalia, joga, negocia com seus colaboradores. E suas preocupações são sempre elevadas além das contingências. Pensa o ser humano e eleva-se. E Beth soube acompanhá-lo nos contrapontos, mas com orquestra própria no mesmo concerto. O filme de Formaggini acaba dando forma aos tormentos e dúvidas do diretor Coutinho, o que ao final o filme define sem redimir ou compensar. Porque o ser humano e toda a humanidade são uma paixão inútil, como definia Sartre em O Ser e o Nada. Mas, o jogo da vida, além de uma necessidade é também uma sedução ou paixão.
O que esta cineasta e produtora independente captou belamente em Apartamento 608. Pela fluidez sem refluxos de uma narrativa paciente, amorosa, sensível e generosa. Para nos dar, pelo menos uma certeza, de que Platão tinha razão quando tentou banir o artista de sua República. Como no mundo do espetáculo e dos simulacros de hoje. Em que, aquele que tenta ser, refugia-se no vazio! No Apartamento 608!
25/4/2009
É Tudo Verdade: Beth Formaginni flagra o cineasta em ação no documentário "Coutinho.doc", que revela os bastidores de um mágico em pleno ato de ilusão e maravilhamento. Eduardo Coutinho em contra plano.
24/04/2009, Amir Labaki
O cotidiano de Coutinho está em documentário que estréia neste sábado no Canal Brasil
Documentaristas raramente se deixam revelar por documentários alheios de peito tão aberto quanto se permite Eduardo Coutinho em "Coutinho.doc - Apartamento 603", o obrigatório retrato dele assinado por Beth Formaginni cuja estréia é neste sábado, às 21h, no programa "É Tudo Verdade", no Canal Brasil.
À primeira vista, trata-se de um making of tardio de "Edifício Master", dirigido por ele em 2002 num prédio de classe média de Copacabana. Fosse apenas isso, já seria um registro único dos bastidores das filmagens de um dos principais documentários contemporâneos brasileiros. Experiente assistente e produtora de Coutinho, Beth foi muito além. Seu filme flagra pela primeira vez Eduardo Coutinho em ação.
"Edifício Master" é um dos pontos altos da fase áurea do cinema de entrevista na obra dele. Sua filmografia pode ser dividida em seis grandes períodos. O primeiro ocorre em sua estréia dentro do cinema ficcional do Cinema Novo, com o episódio "O Pacto" da trilogia "ABC do Amor" (1966) e os longas "O Homem Que Comprou o Mundo" (1968) e "Faustão" (1970).
Nos anos 70, a segunda fase destaca-se por sua brilhante conversão ao documentarismo dentro do insuperado período inicial do "Globo Repórter", quando realizou clássicos como "Seis Dias em Ouricuri" (1976) e "Teodomiro, o Imperador do Sertão" (1978).
Já o começo dos anos 80 marca seu afastamento do programa para trabalhar naquela que se tornou sua obra-prima absoluta, "Cabra Marcado para Morrer" (1984), no qual retrabalha como documentário reflexivo um projeto ficcional interrompido pela ditadura militar instaurada em 1964.
A consagração brasileira e internacional com "Cabra Marcado para Morrer" paradoxalmente iniciou um período de imensas dificuldades profissionais que se estendeu por mais de uma década. Coutinho dirigiu então sete obras, em geral realizadas em vídeo, sendo seis médias-metragens e apenas um longa cinematográfico, "O Fio da Memória" (1991).
Ainda assim, ao menos dois dos médias, "Santa Marta - Duas Semanas no Morro" (1987) e "Boca do Lixo" (1993), representam momentos seminais, não apenas pelo que retratam - o cotidiano de moradores de uma favela e o de desvalidos que sobrevivem de um lixão -, mas também pela experiência como documentarista do próprio Coutinho, ajudando a forjar o método que ele aperfeiçoaria nos filmes da fase seguinte.
Entre 1997 e 2005, com apenas uma exceção ("Peões", uma revisita aos companheiros sindicalistas de Lula), Coutinho consolidou um particularíssimo dispositivo de "cinema de entrevista" em quatro documentários: "Santo Forte" (1997), "Babilônia 2000" (1999), "Edifício Master" (2002) e "O Fim e o Princípio" (2005). Inicia-se então a sexta e atual fase de seu cinema, na qual problematiza a questão do real e do ficcional no cinema com filmes desbravadores como "Jogo de Cena" (2007) e o novíssimo "Moscou", lançado na competição brasileira do recente É Tudo Verdade.
"Coutinho.doc" nos traz, assim, o cineasta no auge de um período e à beira de uma nova ruptura. Vemos para além de seu particularíssimo método, com a definição de um cenário, a escolha de seus depoentes e o preparo para o registro de seu encontro em câmera com os entrevistados.
Coutinho permite-se aqui ser flagrado em pleno exercício cotidiano de seu ofício. Eis o debate franco com suas assistentes sobre as pré-entrevistas com potenciais personagens. Eis as inúmeras dúvidas sobre as escolhas. Eis seu desabafo sobre o medo de o projeto naufragar.
Beth conseguiu ainda mais. Sua câmera registra, pela primeira vez, o contraplano das entrevistas de Coutinho. Ei-lo perguntando, reagindo às respostas, sorrindo e seduzindo seu entrevistado.
Uma cortina assim se levanta. É como se espiássemos os bastidores da técnica de um mágico em pleno ato de ilusão e maravilhamento. Trata-se simplesmente de um dos mais valiosos documentos recentes da história do cinema brasileiro.
Você não precisa ter visto "Edifício Master" para se esbaldar com "Coutinho.doc". Conhecê-lo torna tudo mais complexo e fascinante - o filme está disponível para todos em DVD, mas não é essencial para o programa deste fim de semana. O "Coutinho.doc" de Beth Formaginni é um belo documentário em si mesmo.


CIDADES INVISÍVEIS
32’/ 2009, de Beth Formaggini
Co-produção com o INEPAC- SEC CULT RJ

Sinopse
A idéia do documentário Cidades Invisíveis surgiu por ocasião do início dos estudos de tombamento da Vila de Estrela, em Magé. Foi realizado nas ruínas de quatro cidades extintas do Estado do Rio de Janeiro: Santo Antônio de Sá, São João Marcos, Vila de Iguassú e Vila de Estrela. Produzido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac, o filme percorre os vestígios do que um dia foram residências, igrejas, pontes, ruas, e prédios públicos, ouvindo os antigos moradores e seguindo o rastro dos cronistas que por ali passaram, as pegadas daqueles que por ali viveram, amaram, trabalharam e ajudaram a construir uma cultura rica como a nossa. Através destes fragmentos trazemos à vida essas cidades, fazendo ver a importância do tombamento dos bens fluminenses e a luta pela preservação de suas memórias. Ativas entre os séculos XVIII e XX, Santo Antônio de Sá, São João Marcos, Vila de Iguassú e Vila de Estrela, foram importantes no processo de ocupação do solo fluminense, mas desapareceram em meio a crises econômicas, epidemias e ao abandono dos portos depois do advento das estradas de ferro quando deixaram de ser rotas importantes para o comércio entre o interior e a capital. São Joâo Marcos por sua vez foi destombada e demolida para dar lugar a uma represa, expulsando seus moradores que ainda hoje recordam com saudade a sua terra natal.
Cidades Invisíveis é uma tentativa de reconstrução de nossa memória política, cultural e afetiva. A história dessas ruínas conta também uma parte da história do Brasil, de suas lutas políticas, dos momentos de auge e decadência econômica e ressalta a importância de reconhecer e valorizar o aspecto humano e identitário dos nossos bens culturais.


NOBREZA POPULAR
48’/ 2003, de Beth Formaggini

Sinopse
Nobreza Popular é protagonizado pelas mulheres congadeiras da comunidade de Chapada do Norte - Vale do Jequitinhonha - MG , que se divertem durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. O filme focaliza seus gestos, cantos e danças e os rituais ligados à água quando pedem chuva e outras graças à Virgem do Rosário.
Prêmios e Festivais percorridos
Premiado no Fórum Doc BH e exibido no Festival Internacional do Filme Etnográfico RJ e Festival é Tudo Verdade SP e RJ



GARRINCHA UCELLINO DI DIO
//// 2001 de Paulo César Sarraceni
Co-produção com a RAI3

Sinopse

WALTER.DOC
56’/ 2000, de Beth Formaggini

Sinopse
Realizado em três anos, procura flagrar o tempo presente, passado e futuro. Centrado na palavra do cineasta Walter Lima Júnior, revela sua arte de narrar e o entusiasmo pelo seu ofício.
Prêmios e Festivais percorridos
Exibido no Canal Brasil e no Festival Internacional Do Filme Etnográfico RJ e Festival É Tudo Verdade SP e RJ

JOAQUIM PEDRO.DOC – AÇÃO ENTRE AMIGOS
52’/ 2004, de Mario Carneiro
Co-produção com o Canal Brasil

Sinopse
Lembranças de amigos, família e colaboradores de Joaquim Pedro de Andrade, tais como Albert Maisles, Eduardo Escorel, Walter Lima Jr, PC Saraceni.
Prêmios e Festivais percorridos
Exibido no Fórum Doc BH


TRAVESSIA DA CHAPADA
42’/1999, de Henri Gervaiseau

Sinopse
Prêmios e Festivais percorridos
Exibido no FICA - Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, Goiás, 2000.

TEM QUE SER BAIANO?
42´/1993, de Henri Gervaiseau.
Sinopse
O filme mescla sequências de entrevistas e imagens do passado e do presente da comunidade nordestina em São Paulo. Depoimentos de migrantes nordestinos anônimos e famosos, como Lula e Luiza Erundina, misturam-se com entrevistas de habitantes da metrópole e de políticos paulistas conservadores. Completam esse painel discursos de políticos dos anos 30, manchetes de jornais, fotografias, músicas, vídeos e filmes.


Prêmios e Festivais percorridos
Prêmio de melhor documentário Rio cine 1994, prêmio especial do júri na Jornada internacional da Bahia, 1994; menção honrosa Guarnicê Maranhão, 1994; menção honrosa Tam Tam vídeo Itália 1994; Festival de Leipzig 1994, exibido nas Tvs Bandeirantes, Gazeta e Futura.
Matérias/críticas
Palestra de Henri Gervaiseau sobre o filme
“Eu vou falar um pouco destas questões que foram levantadas aqui, mas muito em cima desta experiência de realização desse filme, particularmente, desse vídeo, "Tem que ser Baiano" e um pouco do "Em Trânsito" e talvez ainda de um outro trabalho que eu esqueci de sugerir que também passasse aqui porque tem a ver com imagens de acervo. É um pequeno clipe de três minutos e meio que eu fiz em 1988/1989 a partir de uma música do Gilberto Gil que se chama "Touchez pas mon potte". Touche pas mon potte seria, traduzindo para o português, não toque no meu chapa, não toque no meu amigo. Era o lema de uma associação anti-racismo que se chamava SOS-Racisme, cujo presidente na época tinha um nome bastante interessante, se eu for traduzir o nome do presidente desta associação, chamava-se “Desejo de Harlem”, Harlem Desir.
Enfim, a França é um país que tem uma tradição de acolhimento de exilados, de gente de tudo quanto é canto. É uma terra de acolhimento e ao mesmo tempo é um país que tem uma tradição minoritária, mas bastante forte, que hoje em dia tem mais força do que no passado, que é uma tradição de direita, e é até uma tradição que poderíamos dizer de extrema direita. Até tem um restaurante aqui em Porto Alegre que para mim é um pouco chocante, eu gosto muito de ir lá quando estou aqui, chama-se Ocidente. Na minha memória de jovem parisiense, Ocidente era um movimento de extrema direita que havia em Paris nos anos 70. Eu tenho 54 anos, naquela época eu era um jovem esquerdista e fazia muitas manifestações de rua contra a Guerra do Vietnã. A França é um país, Paris principalmente, é um lugar que se vai muito, se ia muito à rua para se manifestar a favor ou contra certas coisas, e o Ocidente era um grupo de extrema direita que saía à rua armado, enfim... Então foi criado esse movimento nos anos 80 basicamente, e o Gil fez essa música, que era ao mesmo tempo a época do centenário da abolição. Então, sendo franco-brasileiro, eu me sensibilizei muito por essa dupla efeméride, como se diz e pensei que seria interessante usar esse gênero videográfico do clipe para tematizar essa questão, ao mesmo tempo do preconceito e da luta contra o preconceito. E eu fiz isso muito em cima de imagens de arquivo, particularmente de fotografias, na idéia de que isso é um dos aspectos do interesse de se usar imagens de arquivo. Você recupera imagens de momentos emblemáticos, que o seu expectador pode não ter conhecido, se o expectador é mais jovem, ao mesmo tempo, você pode trazer imagens também que os outros expectadores viram. E o fato de você trazer à lembrança aquela imagem que já tem um certo tempo, e você associá-la a outras, pode ter algum tipo de impacto na mente do expectador, já que, como vocês sabem, a nossa memória, ela é composta basicamente de imagens, o fenômeno mnônico, o fato de você se lembrar de alguma coisa que desperta o processo de lembrança, pode vir de várias formas, pode ser um cheiro, pode ser uma música, mas na nossa mente, as lembranças, elas são como se fossem fotogramas, mas que não tem uma base fotoquímica, e sim um substrato mental. Então, você usar imagens de arquivo também pode ajudar a ter certo tipo de impacto no espírito, na mente do expectador.
Eu me interesso por este tema da migração nordestina há bastante tempo, sou filho de um francês com uma cearense e sempre me interessei muito por este aspecto da migração que é um fenômeno social que tem importância talvez menos contundente no Brasil de hoje, mas que já teve uma importância muito grande no curso do século 20, de movimento de população e de mão-de-obra entre as regiões brasileiras, foi algo constitutivo de nosso país. Tanto no final da escravidão, do tráfico de escravos, tráfico intraprovincial de escravos, quando a escravidão, o tráfico de escravos foi proibido, como depois com o chamado mercado de trabalho nacional se constituiu, o mercado de trabalho livre, e depois enfim na história então da urbanização brasileira. Um fenômeno bastante significativo e hoje em dia, por exemplo, em São Paulo o fenômeno da migração não tem a mesma importância, não aportam tantas pessoas de fora, mineiros e nordestinos, como aportavam em outras épocas. Mas é um fenômeno que teve importância muito grande na história tanto do estado de São Paulo, quanto na história da metrópole paulista. E é uma história que é muito pouco conhecida na verdade, então eu me interessei muito por esta história e realizei no início da década de 80 uma série de entrevistas de história oral com imigrantes nordestinos. Eu estudei e percorri muitos arquivos e no início dos anos 90 quando reuni um pouco mais de elementos para poder produzir um documentário, que foi feito na época com muito pouco recurso, o fenômeno estava adquirindo um caráter um pouco diferente.
São Paulo é uma cidade que tem uma história muito peculiar, ao mesmo tempo em que tem uma tradição de esquerda - qualquer que seja a apreciação que se faça hoje em dia sobre o PT, em São Paulo, ou no Rio Grande do Sul, de que o PT foi forte em São Paulo e ainda é, o movimento social é muito forte - ao mesmo tempo há cidades brasileiras que tem uma tradição conservadora e uma tradição de direita, embora a direita aqui no Brasil não se declare como tal, não tem uma plataforma clara como na França. São Paulo tem uma tradição conservadora antiga e ao mesmo tempo em que é uma grande metrópole, é uma metrópole que ao menos até recentemente era bastante provinciana. Os paulistas têm uma espécie de fundo, vamos dizer assim, oligárquico autocentrado, e isso mudou e tem mudado bastante, mas em São Paulo você se depara com uma tradição de autocentramento. Isso junto com uma certa raiva pela vitória da Erundina, no período ainda um pouco complicado da história recente do Brasil, quer dizer, o último presidente militar saiu em 85, depois disso tivemos o Sarney. A Erundina se elegeu em 1988, havia uma raiva muito grande por parte de certos setores conservadores paulistas pela eleição de uma nordestina de origem modesta como prefeita. Então é uma mistura de raiva de um certo eleitorado conservador com a manipulação dessa raiva por parte de políticos de direita, misturado com a crise econômica e social que o Brasil vivia no início do Governo Collor. Todo esse caldo de culturas, tinha uma conjuntura muito complicada nesse período.
E eu quando retomei esse trabalho, esse tema, não tinha a priore a intenção de dirigi-lo muito para a atualidade, acabei pesquisando muito em acervo. E eu julguei que seria fundamental tentar contar um pouco dessa história muito mal conhecida da migração nordestina em São Paulo, de que na verdade nordestinos vieram para São Paulo inicialmente porque foram subsidiados, se pagava o transporte para as pessoas virem. Eu achei que era fundamental contar essa história usando vários tipos de materiais de arquivo: textos, mas também imagens e sons. E foi enfim o que eu fiz nesse documentário "Tem que ser Baiano", que por um lado usa muitas fotografias, tem fotografias do Cruzeiro, vários tipos de fotos da época dos anos 50, 40 e tal. Usa filmes de época, tem imagens que aparecem de caminhão pau-de-arara, como se chamou, é uma programação de cine jornal que se chamava “Bandeirantes na Tela”, um cine jornal da época dos anos 50, início dos anos 50, também cita um filme muito usado que é esse do café que é de 22, você vê o pessoal trabalhando no café. E eu também fiz uma pesquisa ampla num arquivo de um colecionador de música e canções populares, não sei se ele está vivo ainda, chamado Nirei, então todas as músicas, a maior parte das músicas usadas, fora a do Luiz Gonzaga que aparece no final, vem desse arquivo, e a música tema do filme que é “Tem que ser Baiano" eu descobri numa loja perto ali da Praça da Sé, foram canções da época, também anos 50 basicamente. Então eu fiz um mix, fui uma espécie de DJ audiovisual, usando imagens e sons de diversas procedências e numa postura que não é tanto do historiador no sentido mais rigoroso da palavra porque, por exemplo, tem uma seqüência no filme onde ao mesmo tempo em que surge um texto de um deputado estadual paulista na assembléia constituinte de 34, onde se discutia o subsídio à imigração, e que diz “queremos que os nordestinos venham, a lavoura cafeeira esta precisando”, esse é um texto de 34. As imagens que nós vemos são de 28. Não é um trabalho de historiador, mas sim de alguém que busca mais trabalhar com a memória e através desse entrecruzamento de fontes orais, imagéticas e textuais, visa problematizar a abordagem do assunto e também suscitar interrogações na mente do expectador.
É claro que neste sentido a imagem mais uma vez tem uma função muito específica que é variável segundo o expectador, já que se o espectador já conhece aquelas imagens isso pode ter um certo tipo de impacto, se ele não as conhece isso tem um outro impacto. Ao mesmo tempo tem um jogo que você pode fazer na sua composição, na composição audiovisual, no conjunto do documentário produzindo, que é você mexer com a própria memória do expectador, por exemplo, nesse documentário tem muitas imagens que aparecem repetidas vezes, mas elas aparecem repetidas vezes associadas de forma diferente, a outras imagens. Então a primeira vez que a imagem aparece ela aparece dentro do contexto de um conjunto de imagens, associada a um certo tipo de som ou de falas, e ela ressurge depois associada a outras imagens, outras falas. Esse é um recurso que também mexe com a memória, aí no caso do expectador durante o próprio filme, isso é um tipo de procedimento que eu usei e que eu acho que é muito interessante de a gente usar quando vai fazer um documentário.
Eu fui muito influenciado por um grande cineasta armênio, que eu não sei se vocês já ouviram falar que se chama Pelechiam. Se vocês forem reparar, todos que se chamam iam são de origem armena, inclusive tem um homem que vende bonés numa das ruas ai de Porto Alegre que tem o nome iam e eu perguntei para ele e ele é de origem armena. Mas enfim o Pelechiam, grande cineasta armênio, muito pouco conhecido, ele veio ao Brasil numa mostra de cinema em São Paulo, nos anos 90 e não tinha um gato pingado na mostra dele porque essa coisa de divulgação e tal, mas é um dos grandes montadores de cinema, ele foi redescoberto na França e na Europa nos anos 80 e ele é um cineasta que tem uma teoria muito interessante resumida num artigo, é a teoria da montagem à distância. E os filmes dele me influenciaram bastante.
Na verdade ele retoma muito da grande tradição de uma certa vertente do cinema soviético dos anos 20, do Eisenstein e particularmente do Vertov, que é a de que a arte da montagem busca articular não apenas fotogramas contíguos: como é que se relaciona um fotograma após o outro, como é que você liga uma imagem após a outra; mas que a arte da montagem, ou a arte dos intervalos para retomar a terminologia que o Vertov usava, ela também tem a ver em como criar uma distância entre fotogramas: como ao longo de um filme você pode articular fotogramas criando uma distância entre um momento e outro que passa o mesmo fotograma. Você muda o contexto em que o fotograma apareceu a primeira vez, em que ele é repetido na segunda vez e isso tem uma importância grande na mente do expectador e também no tipo de produção de sentido que a associação de imagens pode sugerir já que evidentemente como vocês sabem a produção de sentido ela se dá muito como na poesia no cinema pela associação das imagens. No caso deste trabalho eu tinha lido e tinha visto alguns filmes do Pelechiam e aquilo ali me impressionou bastante, me influenciou bastante então foi uma forma que eu tive de pensar a montagem desse filme.
Eu acho que o documentário se presta muito a isso, na medida em que ele tem uma liberdade de composição, não é um discurso científico racional, que deve produzir enunciados unívocos, que tenham apenas um sentido, o documentário em grande parte é um discurso, visa produzir um discurso de cunho poético, cujo entendimento, cuja leitura não é homogênea. A sucessão das imagens pode querer dizer várias coisas, o documentário se presta também ao uso de fontes escritas, imagéticas e sonoras. O documentário ele pode ser interessante também no sentido do quê resulta do confronto entre fontes diversas, o que resulta do confronto de uma imagem, de uma fotografia antiga, de uma canção antiga e o discurso atual? Como você pode suscitar novas reflexões, novos pensamentos, através desse confronto? Não usar apenas uma imagem ou um som antigos, uma fotografia, apenas como um elemento de prova, como se fosse um documento jurídico, numa argumentação de um advogado, uma prova pericial. A imagem fotográfica particularmente tem esse caráter indicial, é um vestígio, é um rastro de algo que efetivamente aconteceu, então tem essa dimensão de prova, vamos dizer assim, mas ao mesmo tempo você pode usar essas fontes e o confronto de fontes para produzir interrogações não é.
Outro aspecto que me parece também interessante no uso de filmes, fotos, imagens e sons de arquivo é que, justamente como parte das imagens ou dos sons que você usa pode ter tido uma recepção por parte do seu público antes, você está também de alguma forma lidando com o limiar da memória das pessoas, da memória individual das pessoas, da memória coletiva. Então se você viu determinado filme, ou viu determinada foto emblemática, em determinado período, isso também cria um certo tipo de impacto na memória do expectador.
Tem outro aspecto também que a gente pode pensar do trabalho do documentarista neste sentido, relacionado a um trabalho de produção de uma memória, que é não apenas a incorporação de fontes pré-existentes, sejam fotos, sejam filmes, sejam sons, músicas, programas de televisão. O documentarista, usando material audiovisual ou escrito pré-existente ou não, ele de alguma forma está produzindo de uma forma consciente, um documento. Ele se preocupando no momento de editar, registrando as suas cenas, suas situações da vida cotidiana, de entrevistas, ele de alguma forma se preocupando em constituir uma memória na medida em que o registro audiovisual se constitui efetivamente, pode se constituir em algum tipo de documento. Por isso até que… se bem que esse termos de documentário né que hoje a gente usa comumente assim como tudo que é não ficção de alguma forma… tudo que é não ficção não, ai já fica um pouco mais complicado, porque sei lá, é… programa de televisão, a Xuxa, sei lá que não é uma ficção, não é um documentário. Mas o termo documentário é um termo relativamente recente, e até o termo de não ficção também. Para que algo se chame de não ficção tem que ter uma evidência, para que a gente consiga chamar algo de não ficção, isso pressupõe que existe algo que a gente chama de ficção. Então isso nasceu com o cinema. Já que documentário pode haver documentário biográfico, documentário televisivo é algo que vem já do cinema, e quando o cinema nasceu não existia por um lado o campo do documentário e por outro lado o campo da ficção. O campo da ficção e o campo da não-ficção, isso é algo que foi progressivamente se constituindo.
Mas então é esta dimensão de documento, o documentarista deve se preocupar com a dimensão do registro que ele é capaz de produzir. E nesse caso, tanto quando eu fiz esse documentário “Tem que ser Baiano” que vocês viram, quanto muitos anos depois este outro que talvez parte de vocês vejam aqui, se tiverem paciência de ficarem tanto tempo aqui dentro, que vai passar daqui a pouco, me preocupei de forma diversa, com essa dimensão do registro. De que forma? Por um lado, por exemplo, no caso do “Tem que ser Baiano”, voltando àquelas questões da direita conquistando o pensamento conservador, etc. isso é algo próprio da sociedade brasileira, não é uma tradição, por parte do pensamento conservador, e dos políticos que tem uma atuação que pode ser qualificada mais conservadora, de ter um discurso ideológico muito explícito em defesa de suas posições conservadoras. Sabemos, geralmente são posicionamentos excludentes, que visam a defender os interesses de porções mais privilegiadas da sociedade. E nós sabemos que a sociedade brasileira é uma sociedade excludente. Não é por acaso que até hoje, por mais que haja um progresso neste sentido, a sociedade brasileira é uma das sociedades mais desiguais do planeta, onde a concentração de renda é maior e onde há uma distância mais quilométrica entre quem ganha pouco e quem ganha muito. Enfim, não vou rebater aqui coisas que são conhecidas de todo mundo, mas o fato é que não há, como na França, por exemplo, um pensamento tradicional de direita, que se afirme de direita. Aqui ninguém diz que é de direita. Eu achei que no contexto do tipo de discussão que me interessava favorecer com esse filme, desse documentário, eu deveria registrar o pensamento conservador. Tanto o pensamento conservador de figuras que poderiam ter um discurso ideológico mais explicito, como são estes vereadores e deputados estaduais que eu entrevistei e que aparecem neste documentário, como de pessoas comuns de São Paulo, percorrendo algumas ruas, de alguns bairros onde o eleitorado tradicionalmente vota na direita, como a Mooca.
Isso é um tipo de registro, um tipo de fonte que o documentarista pode produzir, para sua finalidade imediata, o documentário que ele vai produzir, como também aí sendo uma espécie de produtor de documentos para o historiador no futuro, por exemplo. Quando eu fiz o “Em Trânsito”, que é um outro tipo de trabalho, foi um documentário basicamente sobre o dia-a-dia de pessoas no trânsito e no transporte público em São Paulo e na grande São Paulo, sobre os trajetos das pessoas, nos trens, metrôs, ônibus, carros, motos. Por outro lado, o filme também conta com algumas conversas, alguns diálogos de profundidade, com algumas pessoas, que partilham sempre desse dia-a-dia e que, no decorrer da conversa, se a conversa era boa, abordava outras questões que estavam ligadas ao dia-a-dia, que permitiam ver como é esse dia-a-dia mais prosaico possível. Todo mundo tem que fazer isso, sair de casa para ir trabalhar, é algo bastante universal digamos assim essa necessidade, bastante banal, ocorre que isso se liga com outras dimensões da vida, sobretudo numa cidade em que as pessoas passam muito tempo fazendo isso, porque a cidade é muito grande e porque o transporte público é complicado. E tem coisas banais para a gente que vive no dia-a-dia, certamente vocês conhecem aqui Porto Alegre… é freqüente, num sinal, num engarrafamento, enfim, você estar dentro do seu carro e ter gente que é ambulante, que vende mercadorias na rua. Isso é banal na cidade. Quando eu estava fazendo esse documentário, no dia, por exemplo, que a gente estava gravando numa rodovia, eu fiquei pensando assim “bom, mas, isso é banal, é cotidiano”. Mas ao mesmo tempo isso é interessante, a gente gravar o que é banal, o que é cotidiano, esse tipo de relação humana que se estabelece neste tipo de situação, que a gente acha completamente banal.
Neste sentido, o fato de ser franco-braslieiro, de ser de dois lugares, poderia ser franco-árabe ou brasileiro-sueco, o que importa mesmo no fato de ser de dois lugares é que ajuda você a ver de forma estranha o que é o familiar, não é isso? Porque é sempre interessante você fazer isso, você olhar para o que é banal, para o que é óbvio, com um olhar de estrangeiro. Eu pensei na França, por exemplo, em Paris, isso não acontece com tanta freqüência como acontece em São Paulo, no Rio ou em outras metrópoles brasileiras, você ter neguinho lá com um monte de bugigangas, bichinho de pelúcia e de negócio de celular, não sei o quê, que vende e aí a pessoa no carro passa todo o dia por lá, uma mulher burguesa, então a filha dela é amiga da menininha que está lá com o pai vendendo bugiganga. Normalmente esse contato não é tão comum. Então isso também eu acho que é algo, o documentarista no presente, tentando documentar algo do dia-a-dia e registrando algo daquele dia-a-dia, pensando que esse dia-a-dia do presente pode dizer alguma coisa sobre a sociedade em que ele se encontra, e ao mesmo tempo pode vir a ser um documento no futuro, de como as pessoas viviam naquela sociedade, naquele momento. Isso evidentemente não fui eu que inventei, esse tipo de postura é algo bastante presente na preocupação de quem registra… a partir do momento em que o registro… a possibilidade de você registrar fragmentos do dia-a-dia, fragmentos do cotidiano, a partir do momento que os artefatos técnicos permitiram, de uma forma que isso fosse possível, essa idéia já se encontrava.
Por exemplo, não sei, o grupo aqui da UFRGS deve acompanhar isso, eu por acaso estou trabalhando em alguns vídeos, em função do meu trabalho lá na USP, e eu estava revendo esse livrinho aqui, um livro que estuda a fotografia e o documentário alemão e americano dos anos trinta e como naquele período muitos fotógrafos escreveram em revistas a idéia de um estilo documental e como essa discussão não apenas uma discussão acadêmica, mas isso também essa discussão em revistas etc. e tal resistiu porque essa é uma prática fotográfica no presente. Então havia um diálogo entre os fotógrafos escrevendo no espaço acadêmico, e os fotógrafos vamos dizer assim produziam textos, e Isso é algo presente, por exemplo, no projeto de uma fotógrafa americana desse período, dos anos trinta, que é a Abbott, ela tem um projeto muito importante, salvo engano eu me lembro que se chamava Changing New York, “Nova York mudando”. A idéia era fotografar de forma sistemática e contínua Nova York, porque a cidade estava evoluindo. Então essa idéia do registro, particularmente na fotografia americana dos anos trinta é algo presente em muitos projetos, e tem muitas iniciativas.
Tem um cara que é contemporâneo da Nouvelle Vague, muito amigo do Godard, que se chama André Labarthe. Ele fez muitos programas de TV, uma série muito interessante que se chama “Cinema de notre temps”. Eu nunca vi os trabalhos dele, mas ele conta numa entrevista que ele mora em Paris, no mesmo lugar há 30 anos, e todo ano ele vai à mesma esquina com uma câmera 16 milímetros, e ele filma durante várias horas aquela esquina, mais ou menos na mesma posição. Eu não sei se ele já fez alguma coisa dessa gravação, acho até que tem um filme de ficção de um escritor americano que retoma um pouco uma idéia parecida, o “Cortina de Fumaça”. Não sei se esse realizador americano soube dessa história do André Labarthe, mas tem alguém que está fazendo isso efetivamente há 20 anos. Então essa idéia de você intencionalmente produzir no presente um registro, isso pode ser algo que é produzido profissionalmente, com vistas a uma utilização futura, mas que não é jogado na visão imediata dos contemporâneos. Você de alguma forma, como esse André Labarthe, está filmando, mas isso não está circulando. É a constituição de uma espécie de arquivo, vamos dizer assim, ou você pode também, como é o meu caso, você está realizando um documentário, tentando de alguma forma documentar a sociedade em que você vive e fazendo circular essas imagens, mas tentando também ter um olhar ligeiramente distanciado deste dia-a-dia.
Eu vou ler aqui as minhas anotações do que eu preparei aqui um pouco para comentar e algo que eu preparei tem a ver com a correspondência que eu troquei com a Anelise, quem é ela aqui hoje?
Eu estou aqui dialogando de alguma forma com algo que ela me colocou que seria interessante que eu comentasse algo sobre os itinerários urbanos presentes nos documentários que eu fiz, a questão da sociabilidade, que eu acho que são temas que vocês trabalham aqui, então que seria interessante falar alguma coisa…
Já vindo para essa questão que tem mais a ver diretamente com o “Em Trânsito”, filme que vai passar aqui. As pessoas, efetivamente hoje em dia… São Paulo talvez seja um fenômeno mais sofrível do que em outros lugares, nós passamos hoje muito tempo em transporte e nesse tempo que nós passamos em transporte, muitas coisas acontecem, quando estamos nos deslocando. Tanto quanto nós nos deslocamos a pé, por um certo tipo de sociabilidade que pode acontecer, como quando estamos nos meios de transporte coletivos, como ônibus, metrô, trem, como quando nós estamos dentro de um carro. São tipos de sociabilidades diferentes. Isso então era algo que me interessava muito quando eu pensei em produzir um documentário sobre essas questões. E ao mesmo tempo me interessei um pouco, e isso vai muito da influência do De Certeau, que é um grande etnógrafo, historiador, enfim, ele era um monte de coisa ao mesmo tempo, que é um homem que escreveu um grande livro que chama a Invenção do Cotidiano, ele se interessava muito pelo quê as pessoas fazem, como é que as pessoas numa situação em que elas não escolheram, vou aqui resumir de uma forma um tanto sumária parte das questões que De Certeau colocava, mas um dos aspectos que ele chamou a atenção é que hoje em dia, no mundo contemporâneo, as pessoas vivem em situações que elas a priori não inventaram, mas como dentro destas circunstâncias que elas não inventaram, elas conseguem inventar? Você passa três horas num ônibus para ir da zona sul de São Paulo, ou do centro de São Paulo para a zona sul. Você vai ficar lá sofrendo essas três horas, se lamentando porque “nossa, mas que desgraça, todo dia essa desgraça e tal” ou você vai procurar fazer algo nessas três horas, você vai procurar reinventar algo dessa adversidade. Não sei se vocês sabem, mas esse é um fenômeno muito interessante, acho que o hip hop aqui em Porto Alegre é algo, pelo menos até recentemente pelo pouco que eu sei, e eu sei muito pouco, me parece que não é um fenômeno desprezível aqui em Porto Alegre. Se não é em Porto Alegre, ainda menos em São Paulo. Muito do pessoal do hip hop se conheceu em ônibus, até um dos personagens que aparece no “Em trânsito” é um happer que conta que nos anos 90 todo dia, ele era Office boy e tinha que ir do centro de São Paulo onde ele trabalhava, para a zona sul onde ele morava e que tinha um samba de primeira, toda a sexta feira, particularmente. Enfim, isso é um certo tipo de sociabilidade…

Outra forma de sociabilidade é a reserva, que é algo que a Rita trabalhou bastante aqui na… no trabalho dela, enfim muita gente se interessa pelo que o Simmel tematizou, a solidão do cidadão metropolitano, dentro da multidão você evita o contato, porque é um excesso de contato, excesso de possibilidades de contato. Então as pessoas se fecham, isso é uma sociabilidade às avessas, mas não deixa de ser um fenômeno de sociabilidade, quer dizer, você evita o contato, mas você evita o contato porque ele é possível, porque há um excesso de contatos possíveis, você quer proteger a sua individualidade, e é claro que o fenômeno mais radical disso é o cidadão recluso no seu automóvel, com o seu vidro fumê, com medo de ser assaltado. Enfim, tudo isso são fenômenos contemporâneos de sociabilidade, você tem também outro tipo de fenômenos que são manifestações religiosas que podem acontecer particularmente nos trens, eu não sei se isso acontece nos trens de subúrbio aqui em Porto Alegre, mas no Rio e em São Paulo isso é um fenômeno muito presente, em certos tipos de linhas. Isso se dá também é claro pela necessidade que as pessoas têm de se agregar através de ritos religiosos e também pela dificuldade que elas têm de realizar isso no seu dia-a-dia fora de um espaço mais ritualizado que é um templo. Então já que o meio de transporte se transformou num lugar de passagem em que se passa muito tempo, um certo tipo de sociabilidade muito específica se reproduz nestes meios de transporte como uma questão muito fundamental do mundo contemporâneo. Isso me interessou bastante.
Quanto aos trajetos, isso tem a ver também com essa questão, quer dizer, os trajetos que as pessoas realizam numa metrópole são diferenciais, tem muito a ver evidentemente com o tipo de grupo social ao qual você pertence, tem a ver com o lugar que você mora. Interessou-me bastante, ao mesmo tempo vendo aqui os pontos sugeridos também para eu poder dizer alguma coisa para vocês, de dialogar com vocês a partir do que a anelise sugeriu, esta questão dos cenários urbanos, como é que a gente vê a cidade quando estamos num meio de transporte? Isso é um certo tipo de visão que se tem da cidade, você vê em geral a cidade emoldurada através de um quadro que é a janela. Em geral as janelas, pelo menos dos trens de subúrbio no Rio de Janeiro e São Paulo, elas são mais opacas, são mais fechadas, então você não vê muito a paisagem urbana. Em compensação em São Paulo você tem o metrô subterrâneo, mas você tem também o metrô que passa, não sei se chama assim, na França se chamava metrô aéreo, metrô que passa como se fosse uma espécie de trem, não passa num túnel, ele passa no meio da cidade. A janela do vagão é ampla, então você vê a cidade através dessa janela e tem um certo tipo de percepção da cidade. Da mesma forma, quando você está no ônibus você tem um certo tipo de visão através da janela. E muita gente que vive uma vida puxada, muito do desfrute visual que essa pessoa pode ter da cidade em que vive, é um recorte fragmentário que se dá através do enquadramento oferecido pela janela.
Enfim, são muitos trajetos e muitas visões que você pode ter, a visão que você pode ter, por exemplo, o tipo de apreciação visual que você pode ter da paisagem urbana, é diferente se você circula de moto. Uma coisa é você ter essa experiência sensorial “na vida real”, na vida que você realiza, na experiência sensorial que você vive no seu corpo, com o seu corpo, quando você está como terráqueo, dentro de um meio de transporte qualquer e quando você está andando. Outra cosia é a experiência que você tem desse tipo de circulação visual do cenário urbano quando você está sentado numa sala de cinema ou em frente ao seu vídeo, quando essa paisagem urbana lhe é oferecida para ser vista por um filme, porque ai evidentemente que o cineasta ou o videasta, qualquer que seja o termo que se use, ele pode lhe dar uma apreciação, construir um movimento cinético de um certo tipo, ele pode recortar essa paisagem e remontá-la na cena que ele quiser de um jeito X, para produzir um certo tipo de efeito, na mente do expectador.”

TERRA PROMETIDA
52’ /1999, de Henri Gervaiseau

Sinopse
A região da Chapada do Araripe, situada na fronteira entre Ceará, Pernambuco e Piauí, é o cenário de tradições orais e mitologia dos índios Cariri. O trabalho desenvolvido pela organização não-governamental Fundação Casa Grande/Memorial do Homem do Cariri tem por objetivo a descoberta, a valorização e a difusão do rico patrimônio arqueológico, mitológico e cultural da região, a partir da intensa participação de crianças e adolescentes da comunidade, na maioria pobres ou de origem modesta.
Prêmios e Festivais percorridos
Festival Internacional Do Filme Etnográfico RJ 1999; Prêmio Margarida De Prata, 2000.


CURTA-METRAGEM

ANGELI 24H
25´/2010, de Beth Formaggini

Sinopse
O foco é o processo de trabalho do cartunista e chargista Angeli, e as transformações e crises do nosso personagem diante da sua obra.
Realizado através do Edital de curta-metragem do MINC


CASIMIRO
11’ /2008, de Mario Carneiro e Paulo César Saraceni


Sinopse
Os cineastas Paulo César Saraceni e Mario Carneiro seguiram os passos do poeta Casimiro de Abreu em Barra de São João, sua terra natal. Casimiro traduz em imagens a linguagem deste artista romântico, revelando a forte visualidade de um dos poetas mais populares do Brasil.

Prêmios e Festivais percorridos
Selecionado pelo Festival Cine Música, Conservatória, RJ, 2009.


BRICOLAGE – ROSEMBERG.DOC
24’ / 2008, de Ricardo Miranda
Co-produção com o Canal Brasil

Sinopse
A percepção do artista. Bricolar para entender a obra e homem. Pedaços de memória, filmes, recortes e idéias. Pedaços do fazer.
Prêmios e Festivais percorridos
Festival Internacional de Curta-Metragem de BH, 2008; Festival Arariboia Cine, 2009.


NÓS SOMOS UM POEMA
15’ / 2008, de Beth Formaggini e Sergio Sbragia
Co-produção com Serpente Filmes e Lumearte

Sinopse
Participações Musicais de Elza Soares, Jards Macalé, Céu, Diogo Nogueira, Mariana de Moraes e Marcelo Vianna
Prêmios e Festivais percorridos


DOGGY, O CÃO DA GLOBALIZAÇÃO
16’/ 2007, de Julia Martins
Co-produção com Favela Filmes

Sinopse
Dogui aborda o tema da globalização a partir de um ponto de vista inesperado, o de um cão. Os personagens são desenhados a mão e animados digitalmente sobre backgrounds reais, filmados documentalmente.
Prêmios e Festivais percorridos
Prêmio de Inovação Narrativa no Festival Internacional de Cinema de Cascavel- PA, 2008; Prêmio de Melhor Curta de Animação no II Festival de Curta Metragem de Cabo Frio, 2008.
Participação em Festivais: Festival de Cinema Guarnicê, São Luís, MA, 2008; Philadelphia Independent Film Festival, USA, 2008; Festival de Curta Metragem de Cabo Frio, 2008; Cinesul – RJ, 2008; Festival Internacional de Cinema de Cascavel- PA, 2008.

VIDEOCLIP

TOUCHE PAS À MON POTE (DE GILBERTO GIL)
1988, de Henri Gervaiseau, Beth Formaggini, Solange Padilha e Flavio Ferreira


MOSTRAS DE CINEMA

"Mentiras verdadeiras" - Ciclo dedicado a Coutinho no DocKanema
Maputo – Moçambique, 2009
Festival moçambicano destaca produção brasileira e alemã
Adriana Jacobsen, da Deutshe Welle
"Mentiras verdadeiras"
O ciclo dedicado a Coutinho mostrou sua trajetória desde os anos 1960 até seus trabalhos mais recentes. Durante uma semana, foram exibidos em Maputo o antológico Cabra Marcado para Morrer, além de Edifício Master e Moscou, entre outros filmes do diretor. A produtora e realizadora brasileira Beth Formaggini, curadora da mostra e colaboradora de longa data do diretor, falou em entrevista à Deutsche Welle sobre os limites entre o real e a ficção nos filmes de Coutinho.
"Essa é uma pergunta que permeia sua obra. No documentário, as pessoas se transformam em personagens, que se mostram para a câmera da maneira que gostariam de ser vistas. O chamado 'efeito câmera' acentua essa performance. O cinema de Coutinho explicita essa mediação e a negociação entre o autor e o protagonista frente à camera", diz ela.

Walter Lima Jr. - Inocência e Delírio
CCBB Rio e SP

Joaquim Pedro de Andrade
CCBB-RJ

Mostra Vida
Eco 92

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